domingo, 30 de dezembro de 2007

Trace - Capítulo Um

O relógio bate as 12h. Trace estava sentado na sua cadeira de escritório aguardando notícias do exterior. Longe ia o tempo em que as portas deste cubículo se abriam num ciclo incessável durante semanas, quer por homens de meia-idade procurando saber se as suas esposas eram fiéis, gerentes de banco ou empresas, se os seus fundos estavam de facto a ser extraviados e mais importantemente, por quem; ou apenas pelo carteiro trazendo correspondência habitual, sendo metade dela pedidos mais sigilosos que envolviam um contacto mais discreto entre este e o cliente, ou apenas cheques à ordem.
Trace era um detective privado numa das ruas pacatas de Lisboa. Sempre vivera na grande cidade. Ocasionalmente saíra para fora, mas rapidamente voltara para saber das novidades. Era um homem de média estatura, moreno, geralmente sério, mas sempre que podia esboçava um sorriso inocente.
Actualmente passava os seus dias fechado no seu escritório. Possuía uma agência, mas nem sempre trabalhou sozinho. Em tempos mais lucrativos deu-se ao luxo de contratar uma secretária para o ajudar na arrumação dos arquivos assim como recepção dos clientes. Esta, há cerca de um mês, ao deparar-se com o seu futuro assim como a inevitável decadência do emprego, demitiu-se com um sorriso.
“Bons tempos…” disse ele enquanto tocava nas lembranças boas que lhe trazia o passado. Estava sentado em frente à janela, a única daquela pequena divisão e que dava vista para uma rua discreta, mas não pouco frequentada. O seu escritório era no 5º andar, e tinha sempre os estores semi-cerrados, impossibilitando de o exterior se aperceber do que se passava lá dentro. De dia via-se de tudo, casais jovens passeando e rindo, homens carrancudos e de fato transportando uma mala, mulheres idosas com sacos de compras... Alguns rostos eram familiares pois já por ali passavam muitas vezes, e Trace quase que decorara os horários de passagem destes. Quando vinha a noite, também chegavam as belas luzes lisboetas, os risos de longe, do Bairro Alto, a rua mais vazia, com uma sombra a passar aqui ou ali, sendo a rua já por si mal iluminada.
Geralmente Trace passeava de noite, agora ainda mais que antes, devido à ausência de pessoas a entrarem no escritório. Adorava sentir a brisa nocturna, aventurar-se por vezes com amigos restritos, que eram poucos, mas muito chegados, pois a profissão ensinara-lhe a ser cauteloso.
Passara a manhã como era habitual, saindo apenas para beber um café. O jornal era prescindível comprá-lo, pois subscrevera desde há muito. Estava já nas últimas páginas, as mais sensacionalistas, quando ouviu um ruído de um carro a parar em frente ao seu edifício.
Alguém saíra, a porta do rés-do-chão abrira-se e uma discussão instalara-se na entrada. Enquanto Trace se concentrara em se aperceber do que diziam, (pois apesar da distancia entre estes, as vozes ecoavam por todo o prédio sendo este era mal frequentado), passos fortes subiam agora as escadas e tornavam-se cada vez mais próximos. Levantou-se da cadeira, e aproximou-se da porta do seu pequeno cubículo, pois dadas as circunstâncias era o mais sensato a fazer, tratavam-se dos ossos do ofício.
Os passos cessaram. Alguém agora se encontrava do outro lado da porta. Respirava ofegante. Batidas fortes se seguiram. As batidas tornaram-se estrondos e antes que Trace se apercebesse o vulto já tinha destruído a fechadura e entrado de rompante. Feroz e alto, o vulto encontrava-se agora em frente a ele.
“Quem é você?” – Trace argumentou, apreensivo, mas com um tom ameaçador.
A figura com olhos vermelhos, talvez do cansaço, fechara os punhos e preparava-se para algo. Quem seria? E qual a razão de tal interrupção na vida pacata deste pobre homem?...