segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Sobre a Identidade


Há uns dias tive a oportunidade de ver o filme «Zelig» de Woody Allen. De início não me tocou. Foi só passado algum tempo de que me apercebi do seu valor.
O filme é um documentário falso centrado na primeira metade do século vinte e retrata a vida de Zelig, o «Homem Camaleão». Zelig (Allen) nasceu com uma doença psicológica que fez com adapte o seu comportamento consoante o grupo em que está inserido, mas a um nível extremo. Por outras palavras, se ele se encontrar com médicos, políticos ou padres irá agir como se também o fosse na perfeição.
Ao longo do filme iremos aperceber-nos de que ele transforma-se inconscientemente porque apenas quer estar inserido na sociedade. Só quer o afecto do próximo. Isto ao ponto de perder a sua identidade por completo. A simples ideia de imaginar tal desdobramento de personalidades lembra-nos o nosso Pessoa. Também ele foi capaz de nos criar um guardador de rebanhos, um engenheiro, um médico e um ajudante de guarda-livros.
O clímax é atingido quando Zelig é temporariamente curado após múltiplas peripécias mas, a custo da fama, acaba por não conseguir lidar com a pressão e foge do país. Encontramo-lo no Vaticano onde se converte em Papa e mais tarde na Alemanha onde se transforma num soldado nazi. Há que sublinhar que Zelig não acredita na ideologia. Ele apenas quer estar junto do seu 'rebanho' onde estará seguro (novamente a lembrar Pessoa). No final, ele acaba por se curar por completo e adquire autonomia, pensamento crítico e uma personalidade singular.
Para concluir, o filme ensina-nos a não deixarmos de ser nós mesmos. Através de alguma comédia e sátira, Allen mostra o quão perigoso pode ser o poder da multidão e do conformismo.

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Fantasmas

Se pudesse seria nómada. Sentir aquela necessidade de estar em constante movimento e aprendizagem. Recentemente tive a oportunidade de conversar com uma amiga que me disse meio a brincar que eu teria tanto orgulho no meu currículo que seria enterrado com ele: seria a minha obra de vida.
Ultimamente tenho sentido uma certa incerteza acerca daquilo que gostaria de fazer na vida. Devido aos elevados valores de desemprego no país e à minha forte vontade de ter sucesso sou pressionado pelo meu subconsciente a estar constantemente na demanda de cursos e actividades que tanto me poderão servir para adquirir competências a nível profissional como para preencher o currículo e posteriormente encaminhar-me para um emprego no qual me sentirei feliz e realizado.
Para mim a felicidade surge quando estou a contribuir para o meu bem-estar e acima de tudo para me sentir produtivo. Todas as outras aptidões e interesses aparecem depois quando já terei essa fase definida.
Recentemente, num programa de televisão das manhãs, ouvi um psicólogo referir que o caminho para o «meu» emprego surge a partir do momento em que invisto em algo que gosto e em que acredito. Um dos exemplos em concreto que surgiu no mesmo programa foi o de uma jovem que se formou em Direito e teve a oportunidade de encontrar um emprego na sua área num supermercado, mas que há cerca de dois anos começou a especializar-se na confeitaria de bolos e sobremesas.
Trata-se de um hobby que surgiu por mero acaso e que se tornou num «doce» complementar na vida da jovem. A mesma disse que se pudesse largava o emprego actual para investir no seu hobby tornando-se em algo sério, mas é sempre um risco deixar algo estável trocando por algo novo. Nos dias que correm é difícil investir nos sonhos mas ainda há quem o consiga.
O meu problema neste momento é encontrar a minha «paixão», aquilo que realmente me agrada e que pretendo explorar. Consigo enumerar algumas coisas que gosto de fazer: ler, aprender e aplicar conhecimentos de algumas línguas e acima de tudo comunicar. Também gosto de escrever ocasionalmente. Ao dizer isto não quero dar a entender que domino quaisquer destas actividades. Mesmo a leitura, a boa leitura, deve ser feita com rapidez e simultaneamente uma boa compreensão das ideias do autor.
Penso que um bom caminho para encontrar essa «paixão» será em tentar coisas novas. Viajar é um factor de inspiração. Acredito que conhecer novas culturas e locais enriquece imenso uma pessoa. Quando me refiro a conhecer não é através de documentários ou séries de televisão, mas sim em estar no local, observar e interagir com os nativos, provar os seus pratos, percorrer as suas famosas avenidas, visitar os seus museus, admirar as mais belas paisagens que para eles fazem parte do quotidiano mas que para mim ajudam a encher a minha «bagagem» de conhecimentos.
É talvez por isso que não me agrada estar em casa imenso tempo. Sinto que apesar de saber que o meu quarto sempre existirá como albergue todas as vezes que regressar de Lisboa após uma saída com amigos e de contar com a presença dos meus familiares como conforto, não me encontro a «evoluir», a aproveitar bem o meu tempo. E quanto mais tempo estou nessa rotina menos energia tenho para tentar coisas novas, apesar de continuar com vontade de as fazer.
No extremo oposto, quando surge uma oportunidade de ter algo que fazer, os meus sentidos despertam. Regressa a vontade de tentar algo novo mesmo que sobrecarregue o meu horário diário. Apesar de me poder prejudicar sinto-me feliz pois provo a mim mesmo que consigo aproveitar bem o tempo se assim o desejo. Mas para tal é necessário encontrar a minha «paixão» e se ainda não surgiu este preenchimento de horário surge como veículo para tal.
Um amigo meu disse-me recentemente que o homem na vida é como um fantasma: desde que nasce percorre as várias fases académicas, chegando ao ensino superior e completa a sua licenciatura ou mestrado, mas no final não sabe realmente o que quer fazer. Concordo com ele, apesar de felizmente nem todos os jovens passarem por essa sensação. Somos como zombies que despertam mal saem da faculdade. Queremos fazer algo mas não sabemos bem o quê. A dificuldade impõe-se quando muitas portas se fecham num país com alta taxa de desemprego. Com Bolonha o ensino superior diminuiu de cinco para três anos criando a ideia de que uma licenciatura por si só já não chega. A vantagem é que os estudantes têm a hipótese de variar a sua formação caso decidam avançar para um mestrado. Podem mudar de curso ou de universidade e aprender novas maneiras de pensar assim como também novos conteúdos, se bem que num período mais curto.
Acredito cada vez mais que o homem deve ser autodidacta. É de valorizar o professor que nos motiva a estudar a matéria mas ainda mais pegarmos num livro por nossa própria vontade e partir à descoberta. Em termos de currículo infelizmente ainda nos pedem um certificado que prove o interesse ou a mestria em algo, levando muitos «fantasmas» a inscreverem-se em cursos independentemente do preço e a fazerem-nos sem interesse no conteúdo mas a valorizarem acima de tudo o famigerado certificado que surge após a conclusão do mesmo. O que critico não é a inscrição nos cursos mas sim não tirar proveito dos mesmos e apenas «pagar pelo documento ou título».
Acredito que o caminho para a «paixão» surja com o tempo e a auto-descoberta. Se há algo que aprendi é que as oportunidades surgem quando menos esperamos, temos é de estar preparados para elas. Convém nunca estarmos parados e procurar aproveitar o tempo da maneira mais produtiva. Tal aproveitamento fica ao critério de cada um. O que procuro é eliminar o «fantasma» ou «zombie» que existe dentro de cada um de nós, mas por vezes é difícil, muito difícil...

quinta-feira, 21 de julho de 2011

Análise: Super Bock Super Rock 2011

Recentemente tive a oportunidade de ir ao festival de verão Super Bock Super Rock que já vai na sua 17.ª Edição. O festival contou com um cartaz de luxo para quem gosta do rock alternativo e esteve situado pela segunda vez perto da praia do Meco.
Parece que a organização do evento juntou todos os ingredientes para uma verdadeira receita de sucesso para os amantes deste género de música. Para além desta informação aliciante, também existiu um espaço gratuito para  os amantes do campismo.

Dia 13
Apesar de o evento só começar oficialmente no dia 14, o campismo já abria as portas na véspera dando início à corrida ao Meco para garantir um bom lugar para montar a tenda e desfrutar do festival. Segundo a organização o espaço de campismo tinha sido alargado e tinham sido feitos esforços para evitar a poeira em demasia que se criava durante os espectáculos.
Muito longe do recinto, já se podia avistar uma multidão enorme de pessoas na Praça de Espanha em Lisboa, para apanhar os autocarros que levavam as pessoas ao festival. O processo acabou por ser demorado com enormes filas para tão poucos autocarros acabando as últimas pessoas por ter de esperar umas 3 horas até conseguir chegar ao festival. Tive a sorte de não ter sido dos últimos mas quando lá cheguei encontrei o espaço de campismo completamente cheio, já só com alguns espaços aqui e ali em locais pouco acessíveis. Os campistas ainda puderam contar com uma sessão de recepção no final da noite aos sons techno da Tenda Electrónica.

Dia 14
O primeiro dia do festival começou bem. Com um cartaz que ondulava entre a música suave e a mais mexida, os campistas apressaram-se a regressar da praia do Meco para vir assistir a Sean Riley and the Slowriders. Tinha alguma curiosidade em vir assistir a este concerto pois já os tinha visto o ano passado no Optimus Alive mas infelizmente encontrava-me noutra área do festival tendo só conseguido chegar ao palco principal quando começaram a actuar os Walkmen. Desconhecia esta banda, mas para resumir pode-se dizer que foi um bom concerto apesar de ter tido pouco feedback pela parte do público que guardava a energia para os cabeças de cartaz. Em seguida surgiram os The Kooks que animaram a multidão ao som de temas já aceites pelo público como «Seaside» ou «She Moves in Her Own Way». Depois de Kooks surgiram os mais relaxados Beirut que ajudaram a acalmar um pouco os ânimos da multidão que se preparava ansiosamente para soltar toda a energia contida no concerto seguinte. Infelizmente não pude ir ver Lykke Li no Palco EDP, uma revelação feminina relativamente recente, mas segundo a opinião de alguns amigos e algumas críticas que pude ler, o seu concerto foi mesmo muito bom.
Quando os relógios de pulso já marcavam as 00:45 eis que surge Alex Turner o vocalista dos Arctic Monkeys ao som de «Reckless Serenade» e depois a clássica e poderosa «Brianstorm». Nesta altura o público já não se continha e saltava e gritava alto as letras da músicas levantando nuvens de poeira no ar. Perante a atitude distante do vocalista e no meio de muitos empurrões e encontrões a primeira noite foi um sucesso para os fãs do género.

Dia 15
Após um bom dia de praia já se ouve um rock com alguma mexida no Palco EDP ao som de L.A. mas acabo por me dirigir para o Palco Principal onde já estão Rodrigo Leão e a orquestra Cinema Ensemble. Este foi um concerto de música instrumental onde o artista, sempre solidário, dedicou uma música aos doentes com esclerose múltipla. Em seguida ainda regressei ao Palco EDP para assistir ao concerto de B Fachada, um artista já apadrinhado pelo público. Infelizmente, devido a não me encontrar muito próximo do palco e a uma má acústica foi quase impossível compreender as letras das suas canções, o que falhou muito porque para mim a sua música rende mais pela poética na letra e não no ritmo em si. Regressando ao Palco Principal ainda consegui apanhar o final do concerto dos The Gift por debaixo de uma chuva de confettis.
E eis que o público já se preparava para os dois colossos da noite: Portishead e Arcade Fire. Surgem então os Portishead num ritmo suave acompanhados por deslumbrantes vídeos criativos em sincronia com cada canção. Foi um belo momento da noite onde se ouviram clássicos como "Over" e "Humming" onde o público independentemente da idade cantava as letras em uníssono com a vocalista.
Após alguma espera o público depara-se com o palco montado a imitar um cinema dos anos 50 com um letreiro com a mensagem: Coming Soon: The Arcade Fire. E fazendo jus ao enunciado eis que chega a banda tão esperada abrindo a sessão em grande com «The Suburbs» perante fortes aplausos e gritos do público. É impressionante como os Arcade Fire conseguem trazer algo mais para um concerto tornando-o único: para além de todos os membros conseguirem tocar mais de três instrumentos e de o vocalista brindar o público com a sua simpatia fazendo piadas com o facto do último concerto em Portugal ter sido cancelado, também temos direito a todo um processo criativo para tornar o concerto uma verdadeira sessão de cinema com a emissão de vídeos criativos ao longo das músicas. Foi um concerto onde literalmente ninguém ficou imóvel e todos cantaram, uma alegria injectada nos corpos que lhes dava energia para continuar a saltar e a esquecer todo e qualquer problema. Ninguém ficou indiferente e no final ficou a sede por mais.
No final da noite ainda tive tempo de me deslocar novamente ao Palco EDP ao concerto dos Chromeo, uma mistura de rock indie e música techno que agitou o público mais resistente ao sono. Foi um bom concerto e fiquei com curiosidade de explorar melhor a música deles.

Dia 16
O último dia ficou marcado por uma variedade de públicos que se transformava consoante o artista. Foram os X-Wife que estrearam o Palco Principal. Já os conhecia e tinha intenções de os ver, infelizmente o dever veio primeiro, tendo ouvido as suas músicas enquanto me juntava aos restantes campistas que lavavam a loiça do jantar. Quando cheguei ao palco já lá estava Brandon Flowers, o vocalista dos The Killers, rodeado de um público maioritariamente feminino. Não sendo particularmente fã deste artista tenho de admitir que tem uma grande força na voz, gritando imenso em tom agudo mas quase nunca ficando ofegante. Em seguida surgem os Elbow, uma banda que desconhecia e que já não regressava a terras lusas à cerca de 10 anos. Mas não foi a longa ausência que impediu o vocalista de assumir uma atitude familiar e brincar com o público que aderiu, cantando e mexendo os braços a seu pedido por entre brincadeiras.
Mais uma vez é o momento dos pesos pesados da noite: Slash e The Strokes. Surgem movimentos no meio do público quando se avista uma nuvem preta que se aproxima da frente do palco. Não é pó mas sim os fãs de Slash com t-shirts dos Guns N' Roses e de outras bandas parecidas. E eis que aparece a figura lendária do rock n' roll perante um público em êxtase, com a sua cartola preta e óculos escuros. Ao som dos primeiros acordes ninguém consegue ficar contido, abandonando-se toda a racionalidade e controlo aos sons de um rock nostálgico. Um dos momentos que marcou a noite foi sem dúvida todo o recinto do festival cantar a letra de «Sweet Child O' Mine» um clássico dos Guns e uma verdadeira canção de culto.
Foram os The Strokes que fecharam o Palco Principal. Em frente a um Julian Casablancas de óculos escuros mas com uma atitude brincalhona, o público dançou, gritou e saltou ao som dos clássicos «Last Nite» e «Reptilia» mas também mostrou que sabia as letras das canções mais recentes como «Machu Picchu» e «Under Cover of Darkness». Apesar de a banda não ter feito encore acabou por tocar o essencial e o público saiu do recinto mais do que satisfeito.

Após esta edição ter terminado só tenho pena que houvessem algumas falhas a nível da organização. Apesar das promessas em aumentar a área para acampar e de diminuir o nível do pó, a verdade é que as condições ainda deixam muito a desejar. O próprio espaço do recinto deveria aumentar pois ao final da noite era muito difícil andar em liberdade no meio de uma multidão contida em quatro paredes. Para um cartaz espectacular exigem-se condições espectaculares e os fãs merecem isso!

sexta-feira, 8 de julho de 2011

Letras e Números

Após a extinção do Ministério da Cultura comecei a aperceber-me com mais ênfase de certas coisas. É desde a nossa infância que começamos a escolher aquilo que queremos ser. Ao longo do caminho vamos adquirindo mais conhecimento e experiências e moldamos aquilo que realmente é o nosso ser, os nossos gostos. Por outras palavras, em geral quando somos pequenos somos aconselhados por muitas pessoas sobre o que está certo e o que está errado, muitas vezes apercebendo-nos disso mais tarde por experiência própria.
Mas em certa altura, já na fase da adolescência existe uma ponte de separação. Ao chegarem os exames nacionais do 9.º ano somos obrigados a escolher se o que realmente nos interessa são as letras, as línguas, as histórias, as filosofias, as geografias, ou, por outro lado, as matemáticas, as ciências, as medicinas, as gestões, as informáticas e por aí adiante. De certa maneira fala-se das letras e dos números e... da teoria e da prática?
Não tenho nada contra quem prefere o segundo caminho, até porque sempre tive curiosidade em enveredar pela área da Gestão, mas entristece-me consultar regularmente os classificados tanto virtuais como em papel e deparar-me apenas com posições para «marketeer», «gestor», «engenheiro informático». Pergunto-me que mundo é este onde se menosprezam as Humanidades, as artes que servem como as bases do ser humano?
Compreendo que em tempo de crise devam haver cortes e reduzir-se ao «essencial». Uma vez que vivemos numa era cada vez mais globalizada e virtual não é de espantar a procura por trabalhadores na área da informática assim como de marketeers para estabelecerem planos de venda dos produtos aos consumidores aumentando assim os valores de exportação do país.
Mas o que poderá vir a acontecer e creio que já poderá estar a acontecer será que, quer através de influências dos pais ou não, as futuras gerações de estudantes irão começar a evitar estudar nas áreas das Humanidades. Irá haver uma fuga para as áreas de «maior sucesso» e possibilidade de emprego, todas dentro do núcleo dos números.
Não sou escritor, e ainda não domino por completo as letras, mas estimo imenso tudo o que relacione com cultura, arte, escrita. Entristece-me saber que muitas pessoas que estudam Línguas e Culturas, Tradução, Jornalismo, Comunicação e Geografia, entre outras, tenham tantas dificuldades em dar o primeiro passo na sua carreira profissional. Em geral são pessoas com sonhos que têm tanto direito como qualquer outro.