Pude assistir há pouco a uma
reportagem de um canal privado onde se abordou o facto de cada vez mais
portugueses viverem com o ordenado mínimo. Durante a peça foi entrevistado um
jovem, cujo nome não me recordo, que está nessa situação. Irei
chamar-lhe de “João”.
O “João” tem 26 anos e licenciou-se
em Marketing. Actualmente trabalha num call
center e recebe o ordenado mínimo. No entanto, ele diz que é possível viver
e ser independente mesmo estando nessa situação. O “João” tem sonhos, como
muitos outros, e acredita que os poderá realizar… mas não neste momento. Apesar
de tudo o “João” não deixa de sonhar e de acreditar.
Afastemo-nos um pouco do futuro
por uns instantes e centremo-nos no presente do “João”. Ele utiliza os
transportes públicos, não vai ao cinema, evita viajar e são raros os dias em
que janta fora. Aquilo que à primeira vista poderá parecer uma infelicidade
para alguns acaba por ser a expressão carrancuda de outros de idade mais
avançada.
Verdade seja dita, hoje em dia
temos a sorte de viver numa época onde estamos cada vez mais próximos uns dos
outros à distância de uma mensagem de texto, de um clique ou de uma viagem de
baixo custo. Falo de um período onde a esperança média de vida está acima dos
60 anos e onde podemos adquirir refeições feitas em menos de cinco minutos.
Para além disso vivemos num mundo
de licenciados, mestres e doutores. Falo de uma sociedade onde as pessoas têm a
oportunidade de irem para a universidade para prosseguirem nos seus estudos
apesar da subida do preço das propinas. Temos telemóveis, computadores portáteis
e televisões com mais canais do que aqueles que nos interessam.
É por todas essas razões e mais
algumas que sou da opinião que habituámo-nos a ter demasiado e a dar pouco
valor ao que temos. É precisamente esse “demasia” já enraizada no crescimento
de muitos que conduz a estados de depressão por não se poder cometer os
excessos. Falo aqui das viagens, dos cinemas, dos jantares ou saídas em
discotecas da moda. São bens materiais mas não essenciais.
Perguntará então o leitor: mas
então quais serão esses bens essenciais? São os bens imateriais. Falo de
sentimentos como o amor, o carinho, o respeito, o afecto. Dizem que uma época
de crise é sinónimo de oportunidade, de empreendedorismo… não quero ir por aí.
Creio que, acima de tudo, é um período onde podemos aprender a olhar em nosso
redor e apercebermo-nos de certos valores e do que realmente interessa.
Creio que esta crise será vencida
com paciência e muita entreajuda entre todos. Chegou a altura de deixarmos de
olhar para o nosso umbigo e pensar em como poderemos ser úteis para o próximo.
Cada um de nós é único e especial à sua maneira mas muitos não se apercebem
disso. Tal como no amor onde a nossa cara-metade poderá estar a um palmo de
distância e não nos apercebemos, também nós temos o hábito de ignorar as nossas
capacidades e a nossa rede de contactos que se torna cada vez mais acessível.
Para concluir, acho que a crise
será superada mais facilmente assim que nos apercebermos do valor real do que
temos à nossa volta e de repensarmos as nossas atitudes. É certo que o “João”
tem um curso superior e sonha alto, ninguém o impede de o fazer. Apenas
aprendeu a adaptar-se às circunstâncias e quiçá a lembra-se das pequenas coisas,
das que realmente contam.