terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

Trace - Capítulo Dois

O vento soprava por entre as portadas das janelas. Do outro lado da rua ouviam-se vozes vindas de longe, do Cais do Sodré. Era dia de feira, e geralmente sinal que cerca de metade da camada mais idosa da população lisboeta se aglomerava no Mercado da Ribeira, quer para ver, comprar ou simplesmente meter conversa com os transeuntes. Num dos corredores daquele modesto edifício, circulava um personagem alto, forte, mas de cara amistosa. Aparentemente alheio ao que o rodeava, por pouco não chocara com um grupo de compradores, e depois com objectos de venda dispostos ao longo do caminho. Lia um jornal, o “Correio da Manhã”, os seus olhos centrados nas letras pequenas da secção de anúncios, mais concretamente nas ofertas de trabalho.
Suspirara, e após ouvir o som de mais um comboio que partira na estação, do outro lado da rua, decidira aventurar-se e subir a longa rua que iria dar junto à figura ilustre que era Fernando Pessoa.
Á medida que cada passo dava naquela subida íngreme pensava na sua triste vida, e no modo como resolver os problemas que o atormentavam diariamente. Estêvão era casado e pai de um filho, mas como muita boa gente vivia apertado pelas dívidas. Devido à sua constituição física, desde jovem era adepto de desporto, mais concretamente dos desportos de combate. Um prodígio no judo e um exemplo para as camadas jovens desde novo, não foi de admirar a sua rápida progressão para cinto negro, e consecutivamente a exercer o cargo de professor de judo. No âmbito de ajudar a sustentar tanto a sua mulher, que era doméstica, mas que exercia a sua profissão também com grande orgulho, como o seu filho de 10 anos, uma criança fraca, mas que seguia os passos do pai, a vida de Estêvão era passada nos tapetes, vivendo para respirar o suor dos seus adversários à medida que os derrubava um atrás do outro em tempos passados. A carreira dele terminou quando o seu espaço fora à falência, sendo este o proprietário então. Sem profissão, e com o agravamento das dívidas, Estêvão teve de se agarrar ao álcool para suportar as mágoas, um erro infeliz, mas que não durou muito. Graças à sua vontade de ferro, ei-lo de volta recuperado, procurando trabalho, sempre pelo bem da sua família. Era um homem honrado, simples, e que odiava injustiças.
“Isto está uma miséria…” – dizia ele na medida em que perscrutava a última página da secção. Retirou os olhos do jornal e reparara que se encontrava numa rua vazia. Estava confuso. Preparava-se para regressar atrás e rever os seus passos quando uma voz vinda de umas janelas de uma janela em cima o sobressaltou.
“Quem é você?” - o grito ecoou pelas paredes dos prédios em redor.

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